Data de publicação: 25-05-2017 16:31:00

O indisfarçável caráter inquisitivo do sistema processual penal brasileiro

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Arquivo pessoal
 
Rui Antônio da Silva*
 
É abismal a distância entre a teoria (legislação, doutrina e jurisprudência) – o “dever ser” – e a prática (fóruns e tribunais) – o “ser”. Na teoria, “todos são iguais perante a lei” e são inocentes, “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Na persecução criminal, há o devido processo legal, há o contraditório e há a ampla defesa.
 
A doutrina distingue o sistema processual acusatório como sendo aquele em que as funções de acusar e de julgar são conferidas a pessoas distintas, atuando o julgador com total imparcialidade. Dadas as características do processo persecutório criminal adotado no Brasil, levando-se em conta os atores formais e os direitos e as garantias fundamentais, é forçoso separar, nesse processo, três funções: a de investigar, a de acusar e a de julgar.
 
No outro extremo, há o sistema inquisitivo, no qual as funções de investigar, acusar e julgar recaem sobre a mesma pessoa. Um só indivíduo exerce as três funções no mesmo processo: investiga, acusa e julga.
 
Em tese, as funções de investigar e acusar poderiam se permitir, em regra, tanto a quem investiga quanto a quem acusa, como funções precípuas. Se a ideia de quanto mais, melhor, pudesse ser aplicada, isto seria o ideal. Leigamente, seria isto, mas a questão vai além, ela é eminentemente técnico-científica.
 
Voltando ao famigerado abismo que separa a teoria da prática: o Ministério Público, no processo criminal, como titular da ação penal, é tão parte quanto a que se defende, merecendo ambas isonômico tratamento do equidistante julgador. Mas, na realidade, atualmente, não é assim. A parte acusadora está ligada a quem vai julgar a causa, tomam cafezinhos juntos, falam ao pé de ouvido, entram nas salas um do outro sem pedir licença, convivem diariamente, são confidentes e, no mínimo, diríamos, são “quase” amigos. Até a disposição dos atores na sala de audiências já informa algo neste sentido, é “imperial”, incompatível para o século XXI. Neste contexto, a defesa fica bem longe, não tem a mesma intimidade, esperas infindáveis, pouca ou nenhuma boa vontade, mal lhe dão ouvidos. É como se estivesse em outro nível, um pouco abaixo do que estão os outros dois atores “principais”.
 
O processo criminal brasileiro, para arrepio da segurança jurídica e dos eminentes juristas que cunharam a Carta Magna de 1988, caminha a passos largos para um sistema cada vez mais inquisitivo, inseguro e injusto.
 
Diga-se, de passagem, o Ministério Público, titular da ação penal, que deveria ser “promotor de justiça” e guardião do direito e da ordem, tornou-se um mero acusador que se “diverte” com a deslumbrante função investigativa, apaixonado perdidamente pelos holofotes. Desta forma, ressalvadas as exceções, aparentemente descompromissado com a segurança jurídica, o Ministério Público, em tese, investiga, denuncia e tem a pretensão julgada por aquele com quem mantém a estreita proximidade dita alhures. Isto é processo inquisitivo. Na essência, a mesma pessoa investiga, acusa e julga.
 
Que venha logo o tempo em que, no processo persecutório criminal brasileiro, a ordem seja resgatada, que o “promotor” seja de justiça; que as partes estejam de fato equidistantes do julgador; que a inocência seja acatada; que a segurança jurídica seja praticada e que a justiça, tempestivamente, seja realizada.

 
*Rui Silva é advogado criminalista; delegado federal aposentado; especialista em Direito Penal e Processo Penal; especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal; MBA em Gestão de Segurança Pública; mestre em Direito, Estado e Cidadania; pesquisador e crítico de segurança pública.
 
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