Data de publicação: 12-11-2019 19:43:00 - Última alteração: 12-11-2019 19:43:37

Prefiro acreditar no mundo do meu jeito

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Internet/Reprodução
 
Rui Miguel*
 
Ultrapassar obstáculos é o prazer pleno da existência, sejam eles de tipo material, como nas ações e nos exercícios, sejam de tipo espiritual, como nos estudos e nas investigações. A luta contra as adversidades e a vitória torna o homem feliz. Se lhe faltar a oportunidade, irá criá-la como puder.
 
Arthur Schopenhauer
 
Quando estava voltando do trabalho, de carro, parado em um sinal em Belo Horizonte, tarde da noite, reparei que havia um morador de rua com uma quantidade considerável de mercadorias. Eu podia ter certeza de que ele deixara ali para vender, mas ele não estava vendendo. Por quê? Porque ele estava ocupado lendo alguma coisa no celular. E, entretido, escrevendo algo com muita concentração.
 
Suponho que ele estivesse respondendo alguma mensagem. É uma redundância o que vou falar, mas comecei a reparar na globalização da comunicação. Ela atingiu todos os níveis sociais e todo o processo costumeiramente criado.
 
Lembro-me de alguns dias atrás, quando o meu carro foi para a oficina e eu fui obrigado a pegar um ônibus. Sei o que estão se perguntando, mas a resposta é “não”! Não tenho nenhum problema em pegar ônibus. Mas, depois de ter carro, eu raramente voltei a fazer isso.
 
Bem, o que importa é que eu estava no ônibus. Quando entrei, passei pela catraca e olhei para frente para verificar aonde eu iria me sentar. Normalmente, quando se faz isso, você costuma olhar para todos os lugares e para as pessoas também. Algumas viram a cara rapidamente, outras te encaram, e algumas nem reparam na sua entrada, porque estão conversando ou estão distraídas com o movimento da cidade, visto pela janela.
 
Dessa vez, quando entrei no ônibus, ele estava com todos os lugares ocupados. Então, reparei que todos – eu disse TODOS – estavam, de alguma maneira, distraídos com o celular. Mensagens, e-mails, WhatsApp, vídeos, postagens, Instagram. Não importa. Todos estavam ocupados com algum tipo de mídia ou rede social.
 
Quando é que o interesse pelo humano se tornou tão desnecessário?
 
Você está sentado ao lado de uma pessoa e tem a chance, de alguma maneira, de conversar com ela. Talvez ela tenha uma história engraçada para contar, talvez seja um exemplo de luta de vida, talvez o dia a dia dela lhe mostre o quanto a sua vida é excepcional, talvez seja uma pessoa engraçada (apesar da cara amarrada à primeira vista), talvez seja um jovem ou um idoso com um conhecimento ou uma opinião sobre política que você nunca tinha pensado, talvez seja um profissional das artes, um escultor, um escritor. Talvez não tenha profissão, mas a simpatia em te ouvir lhe deixe à vontade.
 
Talvez seja uma pessoa que lhe diga alguma coisa que toque o seu coração e você nunca se esqueça daquilo. Talvez seja de uma religião que você já ouviu falar ou de uma que você nunca tenha ouvido. Talvez você tenha preconceito, mas ele vire respeito e a novidade religiosa te faça expandir a mente. Talvez seja uma pessoa que acredite em ETs e seja até engraçada.
 
Talvez seja um evolucionista. Talvez seja um criacionista. Talvez não acredite em Deus. Talvez seja uma pessoa que aprendeu tanto com a vida que poucas afirmações lhe ajudem no seu dia a dia. Ou talvez seja uma prova de persistência e autoafirmação, fazendo com que a própria visão da vida anime você a continuar sua caminhada. E, quando você tiver que descer no seu ponto, o termo “prazer em te conhecer” não será futilmente dito, apenas como uma forma sutil de terminar a conversa.
 
As pessoas, hoje, perderam o prazer em estarem juntas. É impressionante o paradoxo da comunicação: a tecnologia nos aproximou de nossos familiares, amigos que não víamos nem conversávamos há muito tempo, mas já percebeu que o contato físico ficou menos importante? Já reparou que é mais fácil dizer que está com saudade da sua mãe pelo WhatsApp do que realmente dar um abraço nela? Já observou que, a cada dia, as pessoas tendem a resolver os problemas ou questões particulares por mensagens?
 
E sabe por quê? É mais cômodo. É mais fácil ter coragem de escrever coisas desagradáveis ou opiniões divergentes quando você não está cara a cara com os envolvidos ou com a situação.
 
A tecnologia que juntou as pessoas é a mesma que as afasta. Falo isso também em relação ao grande movimento fotográfico da história da humanidade: as selfies. Não, não estou dizendo que sou contra, pois também tiro. Mas, às vezes, fico impressionado, nas viagens que faço, com o tanto de fotos que as pessoas tiram. Enquanto elas fazem isso, o momento passa.
 
Eu entendo, porque também tiro fotos de coisas legais quando estou viajando, mas as pessoas estão mais preocupadas em mostrar do que em sentir. Perdem a mágica da vida por causa do exibicionismo. Perdem a sensação dos milagres e de nossa existência para mostrarem aos outros o que estão fazendo. Não percebem que a importância dada à postagem é tão grande quanto a banalidade que isso se tornará para os seguidores em apenas alguns minutos.
 
Pena que temos que esperar alguma coisa acontecer para enxergarmos com nitidez o que é realmente relevante.
 
Como dizia Charlie Chaplin: “Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.
 
*Rui Miguel cresceu em Contagem. É formado em engenharia de rede de computadores e especialista Microsoft. Tímido e paradoxalmente extrovertido. Misterioso e intrigante, mas com um senso de humor incrivelmente inteligente e sarcástico. Em 2007, teve os primeiros sintomas do Parkinson e, depois de seis meses, o diagnóstico foi confirmado. É autor do livro “Entrando no parkinson de diversões” e, em 2017, foi nomeado comendador e profissional do ano com o blog que fala sobre “como viver a vida e não apenas sobreviver”. Também possui um canal no YouTube onde trata do mesmo assunto.
 
(O conteúdo dos artigos publicados pelo Diário de Contagem é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa a opinião do jornal.)
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