Data de publicação: 31-12-2020 17:06:00

O clichê dos votos sinceros

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Reprodução Internet
 
Rui Miguel*
 
“Desejo a você um feliz Natal”! Ao mesmo tempo em que a sociedade demonstra muito amor em todo fim de ano e se mostra profundamente otimista, essa frase reflete um paradoxo: a hipocrisia de nossas atitudes.
 
Muitas pessoas mal acreditam em Deus, mas, mesmo assim, comemoram o nascimento de Cristo – que, vale lembrar, não aconteceu realmente em 25 de dezembro. Essa data é simbólica, originada no solstício de inverno dos tempos de Ninrode e carimbada pelas religiões consideradas pagãs.
 
Mas isso não vem ao caso no momento, pois o simbolismo do nascimento de Jesus e a confraternização da família humana são muito mais importantes do que meras características temporais. Considerando que a maior religião, hoje, é o cristianismo, podemos enfatizar que se trata de uma fraternidade mundial.
 
Mas, ao invés de lidar com a ocasião para refletir sobre o significado da data, muitos são levados pelo enfoque errado da importância festiva, de comes e bebes abundantes e reuniões acaloradas banhadas por bastante vinho e cerveja. E mesmo quando a data atinge o seu objetivo, ou mesmo deixa de ser apenas um feriado para reunir a família, e passa a se tornar algo reflexivo para as pessoas, o efeito acaba rapidamente. Ou seja: praticam o amor naquele momento, mas, no outro dia, já estão brigando no trânsito, batendo na mulher, roubando do patrão no trabalho, sendo desonestos e praticando o mal ou deixando de fazer o bem. Ainda assim, “um feliz Natal a todos”.
 
Esse desejo natalino de felicidade deveria se estender por todos os dias das nossas vidas e não apenas quando o fim do ano estiver próximo. Deveríamos comemorar a vida, os nossos amigos e a nossa família diariamente. E isso deveria ocorrer na prática, não somente quando falamos ou esperamos datas específicas para fazê-lo.
 
Hoje em dia, em meio ao caos de uma pandemia sem precedentes, e já na iminência de uma nova versão do vírus, as pessoas não se cuidam para preservarem a própria saúde, esquivando-se ou arrumando pretextos infundados para diminuírem ou cessarem o distanciamento social – a principal maneira de nos preservarmos da doença enquanto a vacina não chega. E mesmo sabendo dessa atitude errada, há quem deseje um “feliz Natal a todos”, esquecendo-se de que a própria falta de cuidados não atinge apenas ele mesmo, podendo até matar outras pessoas.
 
Então, antes de ir para a casa dos familiares para fazer uma pequena e inocente confraternização, essas pessoas vão à farmácia e realizam o teste para não colocarem em risco um parente de mais idade. Mas, e se não fossem visitar a família, será que elas fariam o teste pelo simples motivo de evitar passar a doença para aqueles que não são tão próximos, mas que convivem com elas no dia a dia?  Fazer o exame depois que todos os sintomas aparecem não é mais preventivo para quem está ao seu lado, e você lhe deseja um “feliz Natal”. Portanto, os testes e a preocupação de um possível contágio a outrem dependem se essas outras pessoas são queridas por você, correto?!
 
Já que estamos falando de Natal e de Jesus, vou aproveitar e citar uma passagem muito conhecida pelos cristãos: a do bom samaritano. Ela diz que o seu próximo não é aquele que você ama ou conhece, pois amar a quem nos ama é muito fácil, querer fazer o bem a quem nos faz bem é muito bom. Quando Jesus de Nazaré falou em amar o próximo, ele se referia a amar a todos, independentemente de quem seja; a demonstrar amor pelo simples fato de amar e não por obrigação; a fazer o bem até mesmo a quem você não gosta ou não gosta de você.
 
No entanto, você deseja um “feliz Natal a todos”, mas se esquece de que desejar coisas boas ao próximo não se resume a palavras, mas, sim, a atitudes. Como quando você segue as orientações corretas, evita fazer mal a si próprio e aos outros, deixa de machucar alguém. As pessoas que morrem diariamente de Covid-19 não estarão no Natal para verem você dizendo, da boca pra fora, “feliz Natal” – o que, lá no fundo, não passa de uma frase clichê repetida sem nenhum significado, como se você fosse um papagaio natalino.
 
Deseje um feliz Natal àqueles familiares que, agora, não têm mais o pai, a mãe, os irmãos ou os filhos para comemorar. Àqueles que perderam uma pessoa muito querida, que nós apenas conhecemos como um número, pois ela fazia parte dos 1.200 mortos daquela terça-feira ociosa em que você estava dormindo no sofá ou no escritório enrolando para dar 17h e ir embora para casa.
 
É evidente que você não tem nada a ver com a vida dessas pessoas nem é responsável pelo que acontece com elas, mas, mesmo assim, você deseja um “feliz Natal a todos”.
 
Seja coerente com os seus desejos e não seja uma pessoa sem opinião ou com uma mente volátil, achando que a sua atitude não mudaria nada ou que o fim não justifica os meios. Se cada um pensar e desejar um feliz Natal sincero e de coração, não precisaremos celebrar o fim, e, sim, abençoar novos começos e novos natais.
 
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*Rui Miguel cresceu em Contagem. É formado em engenharia de rede de computadores e especialista Microsoft. Tímido e paradoxalmente extrovertido. Misterioso e intrigante, mas com um senso de humor incrivelmente inteligente e sarcástico. Em 2007, teve os primeiros sintomas do Parkinson e, depois de seis meses, o diagnóstico foi confirmado. É autor do livro “Entrando no parkinson de diversões”. Em 2017, foi nomeado comendador e profissional do ano com o blog que fala sobre “como viver a vida e não apenas sobreviver” (www.ruimiguel.com.br). Também possui um canal no YouTube em que trata do mesmo assunto.
 
(O conteúdo dos artigos publicados pelo Diário de Contagem é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa a opinião do jornal.)
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