Data de publicação: 18-08-2021 13:34:00 - Última alteração: 18-08-2021 13:36:18

João Guimarães Rosa: o vaqueiro

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
O escritor Guimarães Rosa na comitiva que deu origem ao “Grande Sertões: Veredas”

Foto: 
Reprodução


Sebastião Alvino Colomarte*
 
“Em lombo de cavalo, que nem vaqueiro velho, virei, ajudando a tanger uma boiada” (João Guimarães Rosa)


Sabedor do desejo de seu primo, o fazendeiro Francisco Guimarães Moreira, mais conhecido como Chico Moreira, convidou João Guimarães Rosa a ver uma saída de uma boiada de sua fazenda Sirga, às margens do rio São Francisco, em Três Marias, até sua outra fazenda-sede São Francisco, no município de Araçaí, pertinho de Cordisburgo. Guimarães Rosa não só aceitou o convite como disse que acompanharia todo o percurso.

A viagem, ou travessia como era chamada, ocorreu no mês de maio de 1952 e durou nove dias, percorrendo 40 léguas, cerca de 240 quilômetros. O desejo de Guimarães Rosa era vivenciar o sertão, conhecer os pormenores de como era a vida do caboclo, do sertanejo, ou seja, costumes, comportamentos, linguagem ou jeito de falar, sentimentos e sua alimentação.

Na manhã do dia de sua partida, a caravana iniciou a marcha sob chefia do boiadeiro Manuelzão, o capataz da fazenda. Era o homem experiente e de confiança de Chico Moreira. Aliás, Chico e seu filho Crioulo, de 17 anos, acompanharam a comitiva durante os primeiros três dias para observar o ânimo do primo para aguentar a viagem.

Manuelzão contou com o auxílio de outros vaqueiros como: Tião Leite, Zito, esse era poeta e o cozinheiro e o que preparava as refeições feitas em fogões em forma de tripé e servidas quase sempre debaixo de árvores; Santana era o vaqueiro mestre cuja função era não deixar o boi desviar da manada; Sebastião de Jesus era o vaqueiro experiente.  Tinha ainda o Tião Leite, Gregório, Bindoia e Aquiles, um grande violeiro.

Antes e prosseguir vou tentar esclarecer o significado de algumas palavras: fazendeiros são os donos das fazendas que administram as propriedades; vaqueiros são os que cuidam do rebanho, tratando e alimentando os animais, ordenhando as vacas e curando feridas e bicheiras, além de auxiliar o médico veterinário quando o animal adoece, ou seja, é o faz-tudo; boiadeiros são os que lideram um grupo de vaqueiros na condução de uma boiada de um lugar para outro fora da fazenda, geralmente em estradas de terra. O vaqueiro é quase sempre o boiadeiro mais velho e experiente. Para quem gosta de assistir filmes de faroeste, sempre aparecem nas cenas as figuras do fazendeiro, vaqueiro e boiadeiro. Capataz é o chefe e administrador dos trabalhadores de uma fazenda, geralmente é o vaqueiro mais velho e de confiança do fazendeiro e o que comprava o gado para o patrão revender.

Peão é o amansador de animais – cavalos, burros e bestas - e também condutor de tropa.  Peão de boiadeiro é a expressão utilizada para definir um tipo de trabalhador especializado em animais – equinos e bovinos - e aquele que monta animais bravos em rodeios.  Erado significa mais velho (boi erado).

Tanger a boiada é o ato de tocar (conduzir) a boiada pelos caminhos e estradas de terra. A travessia, ou viagem, foi o nome dado por Guimarães Rosa na condução da boiada para a fazenda São Francisco. Comitiva é o grupo de vaqueiros e boiadeiros que conduzem a boiada por estradas de terra. O andar em comitiva, juntos e agrupados, era muito importante para proteger o grupo e a boiada de ladrões, muito comuns naquela época.  Légua é a medida de distância antiga itinerária equivalente a seis mil metros ou seis quilômetros. Marcha era cada dia de caminhada com o gado. A caminhada entre as fazendas Sirga e São Francisco dura nove dias, portanto nove marchas. Aguada são os locais – rios, córregos ou lagos em que o gado desce para beber água.

No passado, a condução de gado em comitiva era muito frequente, principalmente no Norte de Minas Gerais nas regiões de Montes Claros, Janaúba, Pedra Azul. Os fazendeiros gostavam de comprar gado nessas regiões porque tinham animais muito bons e sadios As distâncias chegavam a 40 léguas, cerca de 360 quilômetros de suas sedes. Para trazer o gado contavam com bons capatazes e vaqueiros de confiança. Eram rebanho de 300/400 animais já erados, com dois ou três anos de idade que, quando chegavam às fazendas, eram engordados e vendidos a bom preço.  Durante a viagem ocorria de um animal se perder e outras vezes adoeciam e morriam, por isso, muitas vezes peões e vaqueiros recebiam prêmios pelo número de cabeças que chegavam a seu destino.

Cordisburgo já foi cenário da passagem de muitas comitivas tangendo o gado. Na Praça Miguelim, que fica em frente à igrejinha do patriarca São José (hoje infelizmente abandonada e se deteriorando) existe o portal Grande Sertão, que retrata muito bem as figuras de cavaleiros, com estátuas esculpidas em bronze em tamanho natural que inclui a figura do grande escritor e filho da terra João Guimarães Rosa.

Nos dias atuais já não existem essas longas viagens em estradas de terra para conduzir gado a cavalo, só pequenos deslocamentos locais, de uma fazenda próxima a outra. Os boiadeiros do passado foram substituídos pelos caminhões boiadeiros nas longas distâncias e os marginais de hoje utilizam caminhões e carreta para roubar o gado nas fazendas.

Conclusão

Segundo relatos, a experiência para João Guimarães Rosa foi muito boa. O escritor se transformou em vaqueiro velho para acompanhar a comitiva e não só cumpriu todo o trajeto como vivenciou, como era seu desejo, a vida do sertanejo. Foi assim que acumulou vasto material para sua grande obra da literatura brasileira “Grande Sertão: Veredas”. Ele captou, como ninguém, a vida do sertanejo, criando diversos tipos de personagens com o foco no homem do campo.

Durante a viagem ele foi anotando tudo que via e ouvia em sua inseparável cadernetinha, que trazia dependurada no pescoço. Assim se expressou sua prima Eny Guimarães, que recepcionou a chegada da comitiva, com seu marido Evaristo, em Cordisburgo, em seu livro “Ave João”: “Quase no final da travessia a comitiva chegou a Cordisburgo, última pousada, antes de chegar à fazenda São Francisco, em Araçaí” Chico Moreira e seu filho Crioulo foram lá, queriam ver o desempenho do novo vaqueiro. Estiveram também no pouso final Tonico Basto e o dr. José Saturnino.
 
* Da Academia de Letras João Guimarães Rosa de Cordisburgo e diretor-presidente do Centro de Integração Empresa-Escola de Minas Gerais (CIEE/MG)


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