Data de publicação: 16-07-2019 18:40:00

Aplicativo FaceApp pode abrir porta para abusos com dados dos usuários

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: FaceApp/Reprodução
 
Agência Brasil
 
Nos últimos dias, imagens de pessoas em versões mais velhas delas mesmas viraram a nova febre das redes sociais no Brasil. O responsável por isso foi o aplicativo FaceApp, ferramenta para edição e aplicação de filtros a imagens, como a simulação das faces em idades mais avançadas ou em outros gêneros. Contudo, o funcionamento e as normas internas podem abrir espaço para abusos no uso e no compartilhamento dos dados dos usuários.
 
O FaceApp está disponível nas lojas de aplicativos Play Store (para o sistema operacional Android) e App Store (para o sistema operacional iOS). Na loja Play Store no Brasil, ele estava listado em julho como o principal aplicativo na categoria gratuitos. Com nota 4,5 de 5, no momento da publicação desta reportagem, o app tinha quase 1 milhão de downloads.
 
O programa é anunciado como uma ferramenta para melhorar fotos e criar simulações por meio de filtros. Nos modelos de edição há possibilidades de mudar cores do cabelo, aplicar maquiagem ou estilos de barba e bigode, entre outros. O sistema de inteligência artificial do app informa que pode encontrar “o melhor estilo para você”.
 
Política de privacidade
 
A política de privacidade do aplicativo traz informações sobre quais dados são coletados e quais são os usos possíveis. Segundo o documento, são acessados as fotos e “outros materiais” quando é feita uma postagem. Quais outros materiais? O documento não detalha. A empresa adota serviços de análise de dados (analytics) de terceiros para “medir as tendências de consumo do serviço”. O que isso significa? Não fica claro.
 
“Essas ferramentas coletam informação enviada pelo seu aparelho ou por nosso serviço, incluindo as páginas que você acessa, add-ons e outras informações que nos auxiliam a melhorar o serviço”, diz o documento. São utilizados também mecanismos de rastreamento como cookies, pixels e beacons (que enviam dados sobre a navegação para a empresa e parceiros dela).
 
As informações “de log” também são enviadas, como quando o indivíduo visita um site ou baixa algo dele. A empresa também insere mecanismos para identificar que tipo de dispositivo você está usando, se um smartphone, tablet ou computador de mesa. Podem ser veiculados anúncios por anunciantes parceiros ou instalados cookies dessas firmas.
 
Por meio dessas tecnologias, a navegação passa a ser totalmente rastreada. Segundo a empresa, contudo, esse volume de informação é reunido sem que a pessoa seja identificada. “Nós coletamos e usamos essa informação de análise de forma que ela não pode ser razoavelmente usada para identificar algum usuário particular”, informa o app.
 
As políticas de privacidade afirmam que a informação não é vendida ou comercializada, mas a informação reunida pode ser compartilhada para as empresas do grupo que controla o FaceApp, que também poderão utilizá-las para melhorar os serviços. Também terão acesso empresas atuando na oferta do serviço, que, segundo o documento, o farão sob “termos de confidencialidade razoáveis”. O que são termos razoáveis? O usuário não tem como saber.
 
O compartilhamento poderá ser feito para anunciantes parceiros. Se a empresa for vendida, ela poderá repassar as informações aos novos acionistas ou controladores. De acordo com o documento, mudanças nos termos podem ser feitas periodicamente, sem obrigação de aviso aos usuários. Assim, a empresa possui um leque amplo de alternativas de compartilhamento sem que o usuário saiba quem está usando as informações e para quê.
 
Riscos
 
A diretora da organização Coding Rights, Joana Varon, avalia que o uso do aplicativo traz uma série de riscos e viola a legislação brasileira ao afirmar que poderá ser regido por leis de outros países, inclusive o Artigo 11º do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965).
 
Joana considera a política de privacidade do FaceApp muito permissiva, uma vez que não é possível saber quais dados serão utilizados, como e por quais tipos de empresas. Entretanto, ela acrescenta que certamente a empresa responsável e os “parceiros” trabalham os registros reunidos para alimentar sistemas de reconhecimento facial, uma vez que o app gera um poderoso banco de dados, não só de fotos dos usuários como de outras pessoas para as montagens (como de amigos ou de celebridades).
 
Ela diz que isso resulta em um problema grave, porque as tecnologias de reconhecimento facial têm se mostrado abusivas, como nas aplicações de segurança pública. As preocupações levaram cidades a banir esse tipo de recurso, como San Francisco, nos Estados Unidos, ou São Paulo, que proibiu o uso da tecnologia no metrô.
 
“As pessoas ficam empolgadas, mas, no fim, [essa tecnologia] tem uma finalidade muito além do que só essa brincadeira, que nem é tão clara. É claro que imagens estão sendo utilizadas para aperfeiçoar o reconhecimento facial, tecnologia que tem se mostrado totalmente nociva. Não é só identificação de pessoas, mas do humor e outras características que não são comuns a outros tipos de dados biométricos, como digital”, explica.
 
Venda de dados
 
Para Fábio Assolini, analista sênior de segurança da Kaspersky, é possível que essas imagens acabem sendo empregadas em usos problemáticos. “Por utilizar inteligência artificial para fazer as modificações a partir do reconhecimento facial, a empresa dona do app pode vender essas fotos para empresas desse tipo, além desses dados facilmente caírem nas mãos dos cibercriminosos e serem utilizados para falsificar nossas identidades”, diz.
 
Assolini diz que os usuários devem tomar cuidado sobre como disponibilizam as imagens para reconhecimento facial ou até mesmo publicamente. “Temos que entender essas novas maneiras de autenticação como senhas, já que qualquer sistema de reconhecimento facial disponível a todos pode acabar sendo usado tanto para o bem quanto para o mal”.
 
Dados expostos
 
Na opinião do coordenador do grupo de pesquisa Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Arthur Bezerra, o argumento da parte de muitos usuários de que não haveria problemas no FaceApp, uma vez que os dados das pessoas já estão expostos na internet não procede.
 
"Embora plataformas como o Google e o Facebook tenham uma enorme gama de dados sobre nós, cada empresa busca formar um banco de dados. O FaceApp é desenvolvido por uma empresa russa, então, quando você faz o download, você está compartilhando informações com uma nova companhia que você não sabe qual é. Se eu dissesse a alguém para me dar a senha do Facebook, a pessoa provavelmente não daria, pois todo mundo tem uma dimensão privada da vida", disse.
 
Polêmicas
 
Modas como a do FaceApp já levantaram preocupações antes. Foi o caso do desafio dos 10 anos, que virou febre no Facebook no início do ano e provocou questionamentos pela alimentação de sistemas de reconhecimento facial. No ano passado, o Ministério Público abriu um inquérito para saber se a adoção dessa tecnologia pelo Facebook violava ou não a legislação.
 
Iniciativas em diversos países – como Estados Unidos, China e Rússia – vêm sendo criticadas por defensores de direitos dos usuários. Empresas do setor, como a Microsoft, chegaram a pedir publicamente a regulação dessas soluções técnicas. No Brasil, o início da aplicação desses recursos pelo Sistema de Proteção ao Crédito no ano passado também foi acompanhado de receios.
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