Data de publicação: 13-02-2020 16:06:00

E há tempos o encanto está ausente

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Internet/Reprodução
 
Rui Miguel*
 
“Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores.”
Khalil Gibran
 
Alguns dias atrás, eu tive que ir ao médico com certa urgência para pegar umas receitas. Como estava com pressa e o sol estava muito quente, resolvi pegar um táxi e solicitei ao motorista que me levasse ao hospital da Unimed, onde eu conseguiria marcar uma consulta na mesma hora com um clínico-geral.
 
O taxista, uma pessoa em torno de seus 45 anos, de barba cerrada e fisicamente grande para o carro, foi muito simpático em toda a viagem.
 
Quando cheguei ao local, paguei o valor da corrida e me despedi. Antes que o aperto de mão se findasse, ele perguntou se eu queria que ele esperasse para voltar comigo. Eu imediatamente disse que não, pois não teria dinheiro para pagar a hora parada. Mas, surpreendentemente, ele me esperou e não me cobrou nada por isso. Também não me cobrou a corrida da volta e, para completar, ainda fez questão de parar em uma farmácia para que eu pudesse comprar a medicação necessária.
 
A minha pergunta é retórica e reflexiva: o que leva uma pessoa a fazer isso por alguém que ela nem conhece?
 
E, caso existam pessoas de mentalidade fraca e desprezível, já respondo que qualquer homem sabe a diferença entre intenções e intenções, então, não cite esse argumento. O motorista fez isso simplesmente por fazer, porque se preocupou comigo. Como eu estava sem a medicação e usando uma bengala, talvez ele tenha se apiedado.
 
Independentemente da intenção, ele fez uma coisa que várias pessoas que me rodeiam não fariam, pois não teriam tempo, disposição nem paciência. Então, eu me deparo com essa grande gentileza e cordialidade em troca de nada, apenas pela satisfação em fazer o bem.
 
Essa é a chave. Fazer o bem.
 
Ser benigno. Ser positivo com tudo. Quando entendermos que o valor da vida é a dedicação ao próximo, estaremos mental e espiritualmente maduros.
 
Por que estou contando essa história? Não, amados, não é para falar sobre o altruísmo do motorista, mas, sim, para falar do que veio depois que eu cheguei em casa.
 
Ao adentrar, empolgado com a situação e meio bestificado com o real viés de tudo isso, contei – com uma admiração que exaltava em meu rosto – todo o ocorrido de maneira empolgada. Mas, diante das duas pessoas que ouviam o meu relato, tive uma grande decepção. Quando você fala de uma coisa dessas, o normal é uma reação de surpresa, porém, a que eu recebi foi decepcionante.
 
As duas pessoas com as quais eu conversei me fizeram a seguinte pergunta:
 
- Quanto você pagou para ir ao hospital?
 
- R$ 40.
 
- Caro, hein?! Você é louco. É por isso que não sobra dinheiro, você gasta à toa. Com o Uber você iria pela metade do preço.
 
E eu, meio que afligido por aquelas observações, interrompi os argumentos sem base de interesse para mim e perguntei:
 
- Vocês ouviram a história que eu acabei de contar? Ouviram até o fim, têm certeza? Vocês entenderam tudo o que ele fez sem cobrar nada? Ou eu estou na Torre de Babel?
 
Nesse momento, o assunto ficou inerte e não foi pronunciado mais nenhum comentário.
 
Amados, hoje todos estão querendo ganhar mais do que os outros. A sensação de perda e de que o tempo está passando faz com que as pessoas façam e pensem com puro egoísmo.
 
Independentemente do que façamos, seja financeira, física ou mentalmente, se acharmos que estamos sendo prejudicados, não aceitamos. Isso é normal, eu sei. Afinal, quem vai querer ser prejudicado? Concordo. Mas, atualmente, o contrário é mais verdadeiro ainda. Hoje, as pessoas querem levar vantagem em tudo, em todas as coisas. Numa fila de banco, no trânsito, no trabalho e em quase todos os aspectos. Se a situação não trouxer alguma vantagem material, é desnecessário oferecer. Se eu não estou ganhando nada, não vale a pena.
 
Se você combina de sair com uma mulher – pode ser a sua esposa – e ela, antes do jantar, prometer uma noite de amor incrível, em um local que você poderá escolher, o que você, homem, faz? Pesquisa o melhor restaurante, com a melhor vista, e o melhor hotel. O seu investimento na logística vai valer a pena, pois você vai ter aquilo que deseja. Agora, se a sua esposa fala apenas que está com fome, que não vai demorar e que quer voltar para casa – mas, ainda assim, quer sair para vocês terem um tempo juntos –, o que você faz? Simplesmente pega aquele chinelão de dedo, a camiseta regata amarela rasgada embaixo do sovaco, e sai a pé para comer um cachorro-quente.
 
Vejam: se percebermos bem, a situação é a mesma. A essência da noite é você sair com a sua esposa e vivenciar um tempo com ela. No entanto, apenas pelo fato de ela não querer fazer nada de especial depois, por estar cansada ou por problemas de saúde, você mostra uma reação diferente, pois se não vai gerar alguma vantagem, então não vale a pena.
 
Se você não sentir que está passando à frente de alguém, quando o seu ego não for inflado pela falsidade de suas atitudes para querer sempre levar vantagem, então você não se dedica.
 
Puro egoísmo de nossa parte. Por que não agradar ou fazer o bem pelo simples fato de que isso é bom e nos traz um senso de satisfação que nenhuma outra atividade vai poder nos dar? Por que não posso me arrumar bem, ficar bonito, valorizar a noite com a minha esposa, independentemente se eu vou com ela ao restaurante cinco estrelas ou até a esquina da rua comer um cachorro-quente? Nesse caso, o importante não seria o local, e, sim, a caminhada.
 
Temos que entender que fazer o bem não tem nada a ver com ganhar ou perder, mas com fazer com que o sorriso do outro seja o seu sorriso. E se você tiver que perder alguma coisa em função disso, então perca, porque dessa maneira você vai demonstrar que o amor realmente é maior do que todas as coisas.
 
Não se acostume com as coisas ruins, não se acostume com a maldade. Seja diferente. Não deixe que os problemas da vida, situações financeiras ou qualquer outra coisa lhe tirem a visão de tudo, inclusive de quando o bem aparece e você – por mania ou rotina – enxerga pessimismo até na bondade.
 
Lembre-se sempre, e isso é categórico: fazer o bem dá muito menos trabalho do que fazer o mal.
 
--
 
*Rui Miguel cresceu em Contagem. É formado em engenharia de rede de computadores e especialista Microsoft. Tímido e paradoxalmente extrovertido. Misterioso e intrigante, mas com um senso de humor incrivelmente inteligente e sarcástico. Em 2007, teve os primeiros sintomas do Parkinson e, depois de seis meses, o diagnóstico foi confirmado. É autor do livro “Entrando no parkinson de diversões” e, em 2017, foi nomeado comendador e profissional do ano com o blog que fala sobre “como viver a vida e não apenas sobreviver” (www.ruimiguel.com.br). Também possui um canal no YouTube onde trata do mesmo assunto.
 
(O conteúdo dos artigos publicados pelo Diário de Contagem é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa a opinião do jornal.)
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