Data de publicação: 30-04-2020 17:10:00 - Última alteração: 30-04-2020 17:10:56

Compaixão é fortaleza

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Internet/Reprodução
 
Rui Miguel*
 
“Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele.”
Carl Rogers
 
Tive um problema de saúde durante alguns meses e fiquei internado em um hospital. A enfermaria, que ocupava o andar inteiro, era dividida em dois setores. O setor em que eu estava possuía em torno de 30 leitos, que eram muito bem-organizados e separados individualmente por baias para dar certo nível de privacidade.
 
Ficar internado na enfermaria foi, na minha opinião, um grande ganho e eu estava torcendo para sê-lo, pois, do contrário, não teria tido tantas experiências positivas e marcantes com outros internos. Tive a oportunidade de conversar com pessoas que poderiam me dar uma prova de vida maior do que a que eu já conhecia.
 
Logo no primeiro dia, enquanto eu organizava a minha roupa de interno na cama, apresentou-se a mim, por livre e espontânea vontade, um senhor em uma cadeira de rodas que, pelos próximos dias, seria meu vizinho. Um homem de 67 anos que, quatro meses antes, teve um AVC e ficou cerca de dois meses em coma. Quando acordou, ele não falava nada, pois todo o lado esquerdo fora paralisado. E assim ele continuou por mais um mês.
 
Este senhor franzino, de cabelos brancos rasos, olhos grandes e negros, usando um óculo com um tapa-olho na lente esquerda e barba por fazer me contou que tinha uma filha de 9 anos com a atual esposa. Lógico, como não costumo deixar passar, o interrompi e perguntei:
 
– Atual?
 
– Sim. É o meu quinto casamento.
 
Naquele momento, ele estava andando sozinho na cadeira de rodas e se virava sem nenhum acompanhante, visto que não tinha dinheiro para trazer a esposa e a filha do interior.
 
O que mais me impressionou foi que quando ele saiu do coma, a mulher atual o deixou, pois era bem mais jovem e talvez soubesse dos problemas que poderia enfrentar. Acredito que ela não se via tão jovem cuidando de um idoso. Era fraca. Não saberia viver assim.
 
Então você pensa: o que faria um homem sozinho, depois de ter um AVC, paralisado em quase metade do corpo, sem poder falar, deixado pela mulher que ele tanto amava e com uma filha ter motivação para continuar a caminhada diante desse nebuloso futuro? Não sei! E isso é fascinante.
 
Esse senhor tirou foças de onde ninguém imaginava, inclusive ele mesmo, e, por conta própria, começou a fazer muito mais do que lhe foi pedido na fisioterapia. Ele passou a fazer exercícios constantemente todos os dias, até nas horas de folga, que, querendo ou não, eram intermináveis. Fazendo esses exercícios diários e com vontade de viver, ele se apresentava hoje com apenas um braço para recuperar.
 
Exemplos de força de vontade encontramos em todos os lugares, a qualquer momento, eu sei. Isso não é um privilégio meu, mas eu não imaginava que iria encontrar logo na minha primeira conversa.
 
Tudo o que é realmente importante em nossa vida nós aprendemos durante o percurso. Não pense que a sua vida tem um objetivo único material, porque não tem.
 
Nós nunca ficaremos satisfeitos com o que conquistamos, sempre vamos querer mais. Se está imaginando que a sua felicidade só será plena quando conquistar algo, você se decepcionará muito durante a sua vida. A cada momento, a cada instante, a cada mudança arbitrária da nossa existência, mudamos nossos objetivos, nossas metas e nossa vitória para chegar à felicidade.
 
Isso é viver: não saber nunca o dia de amanhã. O que hoje para você é um grande objetivo, seja ter filhos, se formar em alguma faculdade, conquistar fama, fortuna ou apenas quebrar barreiras, daqui a alguns meses ou anos não será mais a grande conquista para a sua felicidade. Isso ocorre por dois motivos: ou você mudou de objetivos no meio do caminho, e aquilo que era essencial para a sua vida já não é mais, ou você já conquistou e viu que não possui a felicidade plena, constante, realizadora e duradoura.
 
Você sempre vai criar, inventar ou construir uma necessidade a mais para justificar os seus próximos passos para continuar progredindo. Isso é simplesmente culpa do nosso “eu maior”, do nosso ego, que sempre nos desafia a querer mais e, às vezes, em função de uma glória que a pessoa insiste em ter.
 
Então, aproveite a sua vida, mas curta cada momento que ela te oferece para amadurecer, ser útil, correto, leal, amigo, para ajudar alguém e descobrir que a verdadeira felicidade não é quando atingimos o fim da corrida nem quando terminamos a escalada do cume mais alto. A grande felicidade está em você aproveitar toda a caminhada até lá. Todas as oportunidades que a vida te der para evoluir mental, física ou espiritualmente aproveite, agarre-as com todas as forças, pois são esses momentos pequenos que aproveitamos com a nossa família, nossos vizinhos, enfim, com as pessoas que a gente ama, que vão nos fazer felizes.
 
Demonstre interesse e aprenda também com a vivência de pessoas que você não conhece. Converse com todos que puder. Você sempre terá muito o que aprender com quem você nunca conversou antes. Aproveite cada passo do caminho, porque atingir o objetivo é fácil, difícil é chegar lá na linha de chegada, no grande ápice que você achou que seria uma vitória, e, ao olhar para trás, ver tantas coisas e pessoas que foram deixadas no esquecimento pelo seu egoísmo sórdido. Quando você olha para frente e para o lado, você chegou, mas está completamente sozinho.
 
Tentar se colocar no lugar do outro e compartilhar por um instante seus sentimentos é o ponto de partida da compaixão. Mas a verdadeira compaixão vai além das emoções. Para ajudar alguém, é preciso fazer alguma coisa, não apenas sentir. A compaixão exige empenho para exercer uma ação em benefício do outro. Quando for dada de coração, você sentirá a verdadeira fonte do altruísmo compassivo.
 
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*Rui Miguel cresceu em Contagem. É formado em engenharia de rede de computadores e especialista Microsoft. Tímido e paradoxalmente extrovertido. Misterioso e intrigante, mas com um senso de humor incrivelmente inteligente e sarcástico. Em 2007, teve os primeiros sintomas do Parkinson e, depois de seis meses, o diagnóstico foi confirmado. É autor do livro “Entrando no parkinson de diversões” e, em 2017, foi nomeado comendador e profissional do ano com o blog que fala sobre “como viver a vida e não apenas sobreviver” (www.ruimiguel.com.br). Também possui um canal no YouTube onde trata do mesmo assunto.
 
(O conteúdo dos artigos publicados pelo Diário de Contagem é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa a opinião do jornal.)
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