Foto: Divulgação/panoramio
Lecy Pereira Sousa
Contagem é uma daquelas cidades que quanto mais você aperta, mais ela confessa. Escrevo isso no sentido, digamos, benevolente do verbo confessar.
Nessa semana, eu destaco um poema que sempre releio e, a cada vez, vou às gargalhadas. Não que eu seja sádico, mas você compreenderá os motivos nas linhas seguintes. Imagine uma pessoa que exerça o ofício rigoroso de médico legista. Imaginou? Aquele jaleco respingado de sangue, aquelas mãos com luvas de procedimento (naturalmente!) segurando um rim, um fígado ou, por que não, um coração humano? Agora, imagine que esse médico legista seja também poeta. Pois é, Contagem tem.
Em 2003, eu recebi do poeta e médico legista, Celso Botelho Falcão, morador do lendário conjunto Hibisco, o livro de poemas “Luz Crepuscular”, por ocasião do lançamento no, então, Centro Cultural de Contagem. Tal ofício medicinal só poderia ser abordado em literatura por dois vieses: o da tragédia, dor e tristeza, ou o da esperança ancorada na tragicomédia.
O livro de Celso revelou um autor experimentado, de poemas perfeitos e que mesclou paixão, dor, romance, ironia e comédia presentes nas lembranças de um médico legista (o autor já era aposentado na época).
Abaixo, transcrevo parte do poema que não canso de ler e morrer de rir:
A medicina Legal O nosso departamento é um perfeito conjunto de loucos de nascimento especialistas em defunto. Os corpos vêm carregados, de várias maneiras e sendo acondicionados , nas mesas e geladeiras. O plantonista, na porta, Ari ou então o Chico, os da família conforta com muito tato e bom bico. O legista com muita linha seguido do auxiliar tira o bofe e a passarinha pro Tafuri examinar. A família descontente, num clima de tal conforto, chega a pensar de repente que o morto nem está morto. ............................................. O serviço já tem tudo tem turco e tem brasileiro voadores, sabe-tudo, tem pobreza e tem dinheiro. Tem uma resma de pé, pé de toda natureza, pé frio, pé de café, pé de gente e pé de mesa. Tem cristão e tem ateu, crucificado e tem cruz, tem agiota e judeu (1) e tem Menino – Jesus.
(1) Chega a ser sutil o senso de humor e a ironia do Celso. |