Data de publicação: 26-03-2014 00:00:00

O Espantalho e o Escocês

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE

Foto: Divulgação

¹Carlos Alberto Santiago Simplício
²Luciani Dalmaschio

Em uma pequena cidade do Canadá com uma população de origem escocesa, um Espantalho resolveu concorrer ao cargo de prefeito. Ele certamente não tinha muito conhecimento das causas e dos problemas do pequeno condado, mas era esperto o suficiente para prometer e dizer aquilo que a população queria ouvir. A cada dia o Espantalho ganhava mais e mais admiradores entre os eleitores da cidade e já via como certa sua eleição para o cargo de prefeito.

Entretanto, chegou aos seus ouvidos que um escocês, recém-chegado das Highland, estava ganhando terreno entre os cidadãos. Esse escocês tinha como preceito dizer o que podia fazer e de onde viriam os recursos sem prometer nada além. Isso estava fazendo com que ganhasse admiradores e prováveis eleitores pelo condado.

O Espantalho, sentindo-se ameaçado, resolveu atacar diretamente o escocês. Andava desqualificando-o e atacando sua reputação por onde encontrasse ouvidos dispostos a ouvir. Mas essa tática estava tendo um efeito limitado e ele ainda perdia terreno para seu concorrente. Um dia, ao andar pelas ruas do condado fazendo campanha, o Espantalho viu o escocês vindo em direção oposta carregando um saco de milho. Ele viu que seria a oportunidade para acabar com o adversário:

- Como vai, nobre escocês? - Perguntou o Espantalho – Para onde vai com tão pesado saco de milho?
- Vou bem. Estou indo alimentar o porco do meu sogro.

- Como? – “Espantou-se” o Espantalho virando agora para os que ouviam o diálogo – Vejam só este escocês, como pode um homem chamar ao próprio sogro de porco? - Pergunta para a multidão que agora estava em murmúrios.

- Não disse que meu sogro é um porco, apenas...

- Não fique tão nervoso, caro escocês. – Interrompe o Espantalho - Vamos tomar uma dose de whisky e conversaremos sobre família, assim eu poderei explicar a você sobre como é bom amar e tratar bem todos os parentes.

- Eu não bebo whisky. – Refuta o escocês querendo encerrar o embate.

- Como não bebe whisky? Todo verdadeiro escocês bebe whisky... – Disse o Espantalho sob os murmúrios da multidão.

Agora, ele tinha certeza de que o escocês não era mais uma ameaça.

Nosso leitor mais atento nem precisaria de explicações detalhadas sobre o que pretendemos afirmar com essa história, afinal, a estratégia que nosso “distinto” Espantalho utiliza em sua fala, representa duas falácias: a do Espantalho e a do Escocês, que nesse texto figura apenas como um interlocutor que se vê envolto em um processo de manipulação linguística. Entretanto, na tentativa de ampliarmos um pouco o funcionamento dessas duas falácias, vale a pena pensarmos com mais cuidado sobre como elas influenciam (negativamente) o processo democrático de um debate.

A falácia do espantalho ou (Strawman) é denominada por alguns filósofos como sendo uma estratégia pela qual um opositor ignora, propositadamente, a posição do adversário no debate e oferece a ela uma versão distorcida e exagerada. Isso representa uma visão errônea dos argumentos utilizados na interlocução. Ao dizer: “Estou indo alimentar o porco do meu sogro.\", não há dúvidas de que o escocês produz uma frase que pode ser interpretada de duas formas distintas, contudo, uma dessas construções poderia ser facilmente excluída pelo contexto que os dois viviam, uma vez que o tipo de “porco” que “milho” alimenta está muito mais para bicho do que para gente.

Mas por que perder a oportunidade da falácia? Por que não oferecer ao momento um recheio de subversão que valoriza a própria posição em detrimento da posição do oponente? Por que não aproveitar a fala do “outro” (a fala que o outro “efetivamente” usou) contra ele mesmo? É interessante percebermos que não há mentiras na falácia do Espantalho. O que há, como já dissemos, são distorção e exagero (ferinos, diga-se de passagem!) que, por fazerem parte de uma possível realização de fala são difíceis de serem administrados por quem se viu manipulado.

Quanto à falácia do Escocês, podemos dizer que consiste na exclusão de um indivíduo por este não apresentar uma característica atribuída ao grupo do qual ele diz participar. Ou seja, dizer que um escocês não bebe whisky é o mesmo que dizer que essa pessoa não é um escocês. Trata-se de assumir a seguinte proposta: ou na “totalidade” você se considera um de nós ou você não é um de nós. Por esse tipo de falácia, pessoas assim são consideradas “ameaças pequenas” porque não assumem a generalização necessária para se tornar um representante nato daquilo que defendem. Logo, um escocês que considera o “sogro” um porco e que não toma whisky não gera preocupação.

Esse tipo de estratégia de discurso foi e é muito utilizada por aqueles que almejam estar acima de qualquer suspeita, atingir o poder e por lá permanecer. Esse tipo de posicionamento corresponde à dominância do discurso único: ou você prega o que eu prego, sem margens para outros sentidos, ou você não faz parte do meu grupo. O grande problema gerado pela ideia da unicidade de discurso é a criação de intransigências, de ausências de reflexões, enfim, de posturas sociais engessadas por uma uniformidade tola e pouco competente.

¹Mestre em Economia – ISEG
²Doutora em Linguística - UFMG

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