Data de publicação: 02-09-2013 00:00:00

O Brasil precisa de médicos estrangeiros?

Jornal Diário de Contagem On-Line

Foto: Divulgação/Agência Estado

¹Luis Vicente Bernardi Pereira

Os noticiários vêm dando grande espaço para a discussão acerca da contratação de médicos estrangeiros e brasileiros graduados no exterior. De forma geral, a questão está posta ao debate da seguinte forma: o Brasil precisa contratar médicos no exterior?

A polêmica foi levantada em razão do Programa \"Mais Médicos\", do governo federal, que permite a vinda de profissionais estrangeiros para o Brasil sem que tenham de realizar o exame de proficiência em língua portuguesa, nem enfrentar o procedimento de revalidação do diploma estrangeiro, no caso de não haver o preenchimento das vagas oferecidas prioritariamente aos médicos brasileiros.

A questão é bem mais complexa do que a mera condição numérica proposta. Em outras palavras, transcende a seara matemática se há médicos suficientes no Brasil para que se faça cumprir a garantia constitucional de amparo à saúde da população, ou se precisamos \"importar\" profissionais de Cuba, Argentina, etc. O estudo desta situação não pode prescindir da análise de alguns casos concretos:

Os repórteres do SBT Fábio Diamante, Ronaldo Dias e Fábio Serapião produziram uma matéria em que denunciaram o descaso de alguns profissionais da medicina com o povo. Na maternidade pública Leonor Mendes de Barros, na Zona Leste da cidade de São Paulo, médicos foram flagrados por câmeras escondidas, durante três semanas do mês de julho deste ano, chegando para trabalhar antes das 7 horas da manhã e deixando o local após aproximadamente dez minutos de permanência. Eles só registraram a presença no relógio de ponto biométrico e foram embora. Interpelados pela equipe de reportagem, tentaram justificar, gaguejantes, sua reprovável conduta argumentando que não acham justo permanecerem no hospital público sem demanda de trabalho.

A matemática ainda não está solucionada, mas uma constatação prévia é certa: não se sabe se o Brasil precisa de mais médicos, mas, certamente, precisa de mais médicos honestos.

Se de um lado, assistimos abismados a referida matéria, que é facilmente encontrada no Youtube sob qualquer pesquisa referente a \"médicos recebem sem trabalhar\", de outro, no hospital público Rocha Faria, em Campo Grande, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, o desabafo de uma médica durante seu plantão virou a voz de muitos de sua classe: \"Eu tô sozinha nessa porcaria aqui! Não posso fazer nada, pelo excesso de pacientes doentes. E a Secretaria (de Estado da Saúde)? O governador não faz nada! (...) Eu sou diabética, hipertensa! Eu já tô (sic) de saco cheio! Eu vou ser punida por uma boa causa!\", berrava a médica Ângela Tenório ao microfone da equipe de reportagem da TV Record, em matéria que foi ao ar em maio de 2012. Ela era a única médica de plantão disponível para o atendimento de dezenas de pacientes. A matéria exibia a clássica cena que há décadas caleja nossos olhos: pessoas desesperadas pelos corredores de um hospital público, aguardando socorro e sem o devido amparo do Estado.

Até aí, parece que sim, o Brasil precisa de mais médicos - de preferência, honestos. Mas o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), João Batista Gomes Soares discorda e é enfático. Em entrevista ao jornal Estado de Minas de 23/08/13, o médico ameaça processar os colegas cubanos por exercício ilegal da profissão e diz que o posicionamento do CRM mineiro está alinhado ao do Conselho Federal de Medicina (CFM), no que diz respeito ao seu desgosto pelo programa do governo federal.

Já Betinho Duarte, membro da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas (OAB/MG) promete representar contra o presidente do CRM-MG perante a Procuradoria da República dos Direitos da Cidadania e da Saúde em Minas por discordar do seu posicionamento, o que já dá sinais de uma iminente briga, que extrapola o campo ideológico para atingir os egos.

Alguns médicos brasileiros entendem que a contratação de doutores estrangeiros tornaria mais difícil a inserção no mercado dos profissionais formados em território nacional. Nesse sentido, a postura do CRM teria, entre outras motivações, a defesa dos interesses da categoria.

O caso específico dos médicos cubanos no Brasil há de ser analisado com mais parcimônia

Cuba é, inegavelmente, uma referência mundial na medicina e isso foi destacado pela vice-ministra da Saúde de Cuba, Márcia Cobas: \"Não exportamos médicos, exportamos serviços de saúde\". Mas Cuba não tem uma experiência bem sucedida na Medicina unicamente pelo talento de seus profissionais. O governo faz sua parte investindo em equipamento, pesquisa, medicamentos, além de oferecer aos profissionais da saúde e ao seu povo condições dignas de trabalho e atendimento, respectivamente.

Tudo isso permite que se conclua: estão sobrando médicos! Seja pela chegada dos médicos estrangeiros ou mesmo pela oferta de material humano no Brasil. Então, a procura pela resposta à questão que dá título a esse texto perde o sentido, quando sobram médicos e, ainda assim, a saúde vai mal das pernas. A pergunta a ser feita é outra: por que a saúde no Brasil vai mal das pernas?

A saúde vai mal das pernas não porque sobram médicos brasileiros, mas porque sobram médicos como os canalhas da maternidade Leonor Mendes de Barros em SP, que recebem sem trabalhar. A saúde vai mal das pernas não porque faltam médicos estrangeiros, mas porque faltam médicos como a corajosa doutora do hospital Rocha Faria no RJ, que enfrenta sozinha um plantão com dezenas de doentes e enfrenta sozinha a omissão de seus poderosos superiores. A saúde vai mal das pernas não porque falta lugar para os médicos brasileiros trabalharem, mas porque faltam macas e seringas nos hospitais públicos. A saúde vai mal das pernas porque sobra corrupção e falta vontade política. A saúde vai mal das pernas porque a educação vai mal, porque a habitação vai mal, porque a alimentação vai mal e porque existe uma perversa distribuição de poder e renda no Brasil. Isso joga a qualidade de vida do povo brasileiro no chão. Vai mal, porque aqui existe a cultura de que o que é público não é de ninguém, quando se deveria ter a consciência de que a coisa pública é um bem comum e cumpre a toda coletividade tratar dele com zelo.

A questão da saúde no Brasil vai muito além da discussão sobre o acolhimento, a necessidade ou a legalidade da contratação de médicos estrangeiros. Passa obrigatoriamente pelo choro da mãe que não consegue internar seu filho febril. Passa pelo constrangedor exercício de nos colocarmos na pele de um brasileiro que já foi vítima da falta de estrutura, de médicos e de remédios. Não deve ser analisada como uma questão de soberania ou xenofobia. Tampouco, deve se ater ao caráter formal das revalidações de diplomas. Ela deve ser pensada como uma meta a ser atingida continua e gradativamente, com a reunião de esforços, investimentos e trabalho. Para que, enfim, possa brevemente se realizar da maneira utópica prevista na Constituição Federal.

¹Advogado e professor no curso de Direito da Nova Faculdade

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