Data de publicação: 26-08-2014 00:00:00

A voz plural do Capão Redondo

Jornal Diário de Contagem On-Line

Ilustração: South Gama

Lecy Pereira Sousa

Há uns dois anos, eu recebi das mãos do Nov@to (um poeta da periferia de Belo Horizonte, que está prestes a lançar seu primeiro livro com o apoio de acadêmicos do meio literário dotados de um pensamento mais liberal e inclusivo em relação à literatura), o livro \"Literatura Marginal - Talentos da escrita periférica\".

Trata-se de uma antologia, organizada pelo escritor paulista Ferréz e publicada em 2005 pela editora Agir (Rio de Janeiro). Esse trabalho reúne, contos, crônicas, poemas, uma literatura em forma de desabafo de nomes, até então, completamente desconhecidos por qualquer leitor afeito aos livros. Nomes como Preto Ghóez, Eduardo Dum-Dum (Facção Central), Dona Laura, Gato Preto, Ridson, Maurício Marques, Santos da Rosa, Alessandro Buzo, Luiz Alberto Mendes e Erton Moraes. São vozes literárias reverberando a dor e a leitura de mundo daqueles que são privados, de alguma forma, da própria dignidade. Seriam os precursores de um viés literário que alcançou sua envergadura com \"Cidade de Deus\", romance de Paulo Lins? Prefiro crer que não se redundam, mas seguem, múltiplos, catapultando as palavras dos arredores bem mais vívidos que os subúrbios.

Entre esses nomes, o próprio Ferréz, um inquieto a metralhar com rajadas literárias os jardins suspensos de São Paulo. Originário do Capão Redondo, uma das regiões mais violentas da cidade, que vem mudando esse quadro com o envolvimento de ONGs e dos próprios moradores. Romancista, contista e poeta, Ferréz conseguiu publicar livros com títulos impactantes como \"Deus foi almoçar\" , \"Manual Prático do Ódio\", \"Ninguém é inocente em São Paulo\", \"Capão Pecado\", entre outros. O autor participa de um quadro num programa da TV Cultura em SP e também faz palestras. Seus livros vem alcançando cada vez mais leitores.

\"A capoeira não vem mais, agora reagimos com a palavra, porque pouca coisa mudou, principalmente para nós. Não somos movimento, não somos os novos, não somos nada, nem pobres, porque pobre, segundo os poetas da rua, é quem não tem as coisas. Cala a boca negro, negro e pobre aqui não tem vez! Cala a boca! Cala a boca uma porra, agora a gente fala, agora a gente canta, e na moral agora a gente escreve.(...) Sabe o que é mais louco? Neste país você tem que sofrer boicote de tudo que é lado, mas nunca pode fazer o seu, o seu é errado, por mais que você tenha sofrido você tem que fazer por todos, principalmente pela classe que quase conseguiu te matar, fazendo você nascer na favela e te dando a miséria como herança.\" Assim começa Ferréz.

Um livro que justapõe indignações e expõe uma risível ternura nas composições. Existe, de fato, um apartheid literário ou temos um discurso leninista-marxista para todas as ocasiões? Isso aqui não é Londres, nem Estocolmo, nem Belfast, tampouco Los Angeles. Essa é uma cidade dentro de outra cidade com seu canto incômodo e sem cômodos.

Encerro essa balada com os versos de Ridson:

\"O que corre nas veias do ser opressor
É a prepotência de quem se julga superior
Que se transforma em ódio e irradia a epidemia
A burguesia sofre de guetofobia.\"

Conheça o blog do Ferréz.

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