Data de publicação: 22-09-2014 00:00:00

Pirâmides Financeiras e Marketings Multiníveis: A Psicologia da Ganância

B&D Contabilidade

Foto: Getty Images

¹Wasney de Almeida Ferreira

A mente em estado de ganância não consegue perceber, compreender e racionalizar os absurdos que os sistemas de pirâmides financeiras e marketings multiníveis propagam. A única coisa que a mente avarenta percebe são carros importados, artigos de luxo e viagens ao exterior de pessoas que supostamente alcançaram níveis superiores. Trata-se de uma mente que comprova, no dia-a-dia, que a terra é plana, já que o horizonte aparenta uma reta. No entanto, basta realizar alguns cálculos simples e utilizar o bom senso para perceber a inconsistência dessas estruturas de pirâmides, que já destruíram várias vidas.

A forma mais básica de pirâmide consiste na divisão e progressão geométrica de um para dois, dando origem a uma função de natureza exponencial. No caso, um participante recruta dois indivíduos novos, dois recrutam quatro, quatro recrutam oito, oito recrutam dezesseis, e assim por diante. Nas pirâmides financeiras, não há produto, mas apenas adesão de membros por meio de investimentos, sendo que os indivíduos da base sustentam o topo. Já nos marketings multiníveis, a adesão dos indivíduos no sistema de pirâmide requer a aquisição de produtos ou serviços, sendo que o recrutamento também é rentável. Em resumo, os marketings multiníveis é uma forma de pirâmide que possui como desculpa um produto, mas como as pirâmides possuem distribuição exponencial, toda população é atingida rapidamente em poucos níveis, fazendo com que vendedores sejam também compradores.

Sistema de Pirâmides

Para visualizar a inconsistência do sistema de pirâmides, imaginemos uma ilha com mil habitantes, onde um indivíduo decide vender uma bebida X por meio de marketings multiníveis. Se utilizarmos a fórmula de progressão geométrica (1000=2^n-1), chegaremos a conclusão que essa pirâmide teria no máximo dez níveis. Além de a maioria permanecer na parte mais baixa, todos os indivíduos dessa ilha teriam que ser simultaneamente vendedores e compradores. Por meio do senso comum, sabemos que nenhum boteco prospera quando seus vendedores são também consumidores, não é verdade? Para que o boteco continue funcionando, é necessária a adesão de novos indivíduos de outras ilhas, pois comprar e vender de si mesmo é o mesmo que se puxar de um buraco pelos cabelos. Por analogia, um boteco onde os donos são beberrões, precisa de novatos que comprem e/ou vendam bebidas, para “a galera continue chapando todas”.

No entanto, os novatos pensam que a ascensão na pirâmide têm “degraus” de mesma altura, como se o sistema hierárquico fosse aritmético: linear e proporcional. Na verdade, na medida em que “sobe a pirâmide”, a “altura” dos degraus também aumenta de forma geométrica e exponencial, requerendo esforços humanamente impossíveis. Por analogia, dizem ao novato que chegará a Tóquio com as suas próprias pernas (meritocracia), mas, na verdade, a maioria não chegará nem a São Paulo. Como estratégia, dão presentes, estimulam a ganância e a ostentação, para que o novato acredite que irá realmente chegar ao Japão andando. Todavia, cedo ou tarde, as pessoas sentem-se incompetentes, culpadas e envergonhadas, porque a probabilidade de chegar a Tóquio caminhando são mínimas, até porque as dificuldades aumentam exponencialmente. Tomando como referência a ilha, podemos calcular o número de indivíduos por níveis hierárquicos e mensurar as probabilidades condicionadas de novos membros, de novas ilhas, terem ascensão.

As pirâmides financeiras e os marketings multiníveis se adéquam bem a moral brasileira, de enriquecimento fácil sem grandes esforços, o “jeitinho brasileiro”. Deve ser por isso que empresas internacionais sempre veem o Brasil como forma de instalação de pirâmides, porque mesmo brasileiros escolarizados são ininteligentes. Quem entende o mínimo de matemática e tem bom senso, consegue perceber que a maioria não terá uma renda elevada, mas baixa ou mediana. Em resumo, a psicologia da ganância nos diz que um golpe sofrido por um indivíduo é diretamente proporcional a sua ganância e indiretamente a inteligência.

Momento inicial

_ Fulano viajou para Paris e eu também quero (inveja);
_ Eu ganhei um relógio chapeado a ouro (ostentação);
_ Beltrano ganha dois mil por semana trabalhando duas horas por dia (cobiça);
_ Preciso investir mais tempo e dinheiro para ter maior retorno (ininteligência).

Momento mediano

_ A terra é plana, mas será que é mesmo? Tanta gente fala que ela é redonda...
_ Estou me sentindo muito cansado, não consigo progredir mais (frustração);
_ Estou estagnado nesse nível, preciso me esforçar mais (incompetência);
_ Deve ter alguma coisa de errado comigo (vergonha);
_ Minha equipe parece não sair do lugar (culpa);
_ Será que não fui enganado? O que há de errado? (contradição).

Momento final

_ A terra é realmente redonda, embora aparente ser plana. Como não percebi isso?
_ Eu trabalho dia e noite e não vejo tanto retorno (racionalidade);
_ Estou depressivo, com insônia e não progrido na pirâmide (fatos);
_ Meus amigos e familiares tinham razão (lucidez);
_ A empresa fala mais de viagens e dinheiro que de produtos (insight);
_ Eu fui enganado (vergonha);
_ Quantas pessoas enganei e arruinei? (arrependimento);
_ Essa empresa não vale nada: vou levá-la na justiça (raiva);
_ Meu erro foi ser ganancioso, mas Deus vai me perdoar (coisa de brasileiro);
_ Vou fazer vídeos na internet e blogs para alertas as pessoas (ressarcimento).

¹Psicólogo, mestre em linguística e doutorando em saúde pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Comentários

Charge


Flagrante


Boca no Trombone


Guia Comercial


Enquetes


Previsão do Tempo


Siga-nos:

Endereço: Av. Cardeal Eugênio Pacelli, 1996, Cidade Industrial
Contagem / MG - CEP: 32210-003
Telefone: (31) 2559-3888
E-mail: redacao@diariodecontagem.com.br