Fotos: Divulgação
Os trabalhadores da Educação da Rede Municipal de Contagem e da Funec paralisaram as atividades nesta quinta-feira (23/10) e realizaram um ato público na Praça Paulo Pinheiro Chagas, em protesto contra a Portaria nº 58/2025, publicada pela Secretaria Municipal de Educação (Seduc/Contagem) no último dia 21.
A manifestação, que contou com uma aula pública e falas de educadores e sindicalistas, teve como principal pauta o repúdio às mudanças administrativas e pedagógicas implementadas de forma considerada “autoritária” pelos profissionais.

Segundo o SindUTE Contagem, a nova portaria amplia o número de crianças nas turmas da Educação Infantil, reduz o tempo da hora-aula de 60 para 50 minutos, e aumenta a carga de trabalho dos setores administrativos das escolas, ao estabelecer que secretários e assistentes escolares atendam até 800 estudantes, antes o limite era de 600.
“Essa portaria reduz o trabalho docente à mera quantificação de tempo e aulas. O que se anuncia como reorganização é, na verdade, um desmonte da qualidade do ensino e um ataque direto à valorização profissional”, afirmaram representantes da categoria durante o ato.

“Educação não se faz por decreto”
A professora e presidente do SindUTE Contagem, Patrícia Pereira, lamentou que o governo municipal adote medidas “de gabinete”, sem diálogo com a base da educação, justamente às vésperas da IV Conferência Municipal de Educação, que acontecerá nos dias 7 e 8 de novembro.
“É lamentável que, às vésperas da Conferência, o governo reduza a política educacional a uma portaria redigida sem escuta das escolas. Essa decisão desconsidera a realidade do chão da escola e fragiliza a rede pública”, destacou Patrícia.
O sindicato e os profissionais exigem a suspensão imediata da Portaria 58/2025 e a abertura de um processo de diálogo público e participativo com os trabalhadores, conselhos escolares, famílias e entidades representativas.

NOTA PÚBLICA – EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE QUALIDADE
Vimos a público, por meio desta nota, manifestar veemente repúdio à Portaria SEDUC nº 58, de 21 de outubro de 2025, por entender que a referida medida representa um retrocesso pedagógico, político e trabalhista sem precedentes, capaz de desestruturar o que a cidade construiu, ao longo de décadas, como modelo de gestão democrática, valorização profissional e compromisso ético com a qualidade social da educação.
A portaria, apresentada sob o pretexto de reorganização administrativa, revela-se um ato normativo tecnocrático, descolado da realidade concreta das escolas e produzido à margem da escuta coletiva — condição fundamental em uma rede que se constituiu, historicamente, pela horizontalidade do diálogo e pela construção compartilhada das políticas públicas educacionais.
Sob o disfarce da eficiência, a medida reinstaura uma lógica de gestão da escassez e de controle, reduzindo o trabalho docente à mera quantificação de tempo e aulas, como se a complexidade do processo educativo pudesse caber em planilhas.
A redução da hora-aula de 60 para 50 minutos representa uma perda material de tempo pedagógico e, mais profundamente, uma perda simbólica de sentido.
Numa rede que historicamente defendeu a aprendizagem significativa, a redução do tempo de convivência e mediação implica em menos escuta, menos vínculos e menos oportunidade de reconstrução do conhecimento. A escola, enquanto espaço de humanização, não se sustenta na matemática das economias de tempo, mas no tempo da experiência, do pensamento e da relação.
No mesmo movimento, o aumento do número de crianças por professor, nas turmas de dois e três anos, ignora por completo as necessidades de atenção e cuidado exigidas para esta faixa etária e desconsidera o caráter integral da primeira infância.
Essa ampliação do contingente de crianças, sem a ampliação de profissionais e estrutura física, aliado as fato da dificuldade em se reconhecer a necessidade do profissional de apoio às crianças em investigação, que dificilmente obterão diagnóstico fechado em função da idade, coloca em risco a segurança, o acolhimento e o cuidado, pilares fundamentais do trabalho pedagógico com as crianças pequenas.
Mais corpos em menos espaço, desconsiderando os sujeitos é o avesso da qualidade. Trata-se de uma decisão que desumaniza o cotidiano escolar e desrespeita a singularidade do desenvolvimento infantil.
Outro ponto de gravíssima incongruência é a manutenção da tipologia de 1,5 professor por turno, parâmetro estruturalmente incompatível com a grade horária proposta e com a diversidade de componentes curriculares. Esse coeficiente, além de sobrecarregar o professor, torna inviável o planejamento coletivo, a recomposição de aprendizagens e o acompanhamento individualizado dos estudantes.
Experiências de redes vizinhas, como Belo Horizonte, demonstram que o modelo só se sustenta com um coeficiente mínimo de 1,6, associado a maior investimento em pessoal e estrutura. Reproduzir parcialmente um modelo sem o aporte correspondente de recursos humanos e financeiros significa institucionalizar o improviso como método de gestão.
O problema técnico e político atinge seu ponto máximo no erro do Artigo 41, inciso II, que não completa a grade de 25 aulas semanais imposta pela própria portaria. A lacuna revela a fragilidade do documento e expõe o descuido com a coerência curricular e com o planejamento do tempo escolar.
Tal inconsistência não é apenas um erro formal — é o sintoma de uma formulação apressada e desconectada da realidade das escolas, que compromete o direito à aprendizagem dos estudantes e a integridade do trabalho pedagógico. Entretanto, talvez o maior vazio político e pedagógico da portaria seja sua incapacidade de enfrentar o problema mais grave da educação contemporânea: a infrequência estudantil.
A norma fragmenta a responsabilidade pela Busca Ativa Escolar, restringindo-a ao âmbito de um setor burocrático e desconsiderando o caráter intersetorial, territorial e comunitário dessa ação. Ao fazê-lo, enfraquece uma das políticas mais exitosas de Contagem — a que entende a escola como núcleo articulador do direito à presença.
A ausência de uma abordagem sistêmica sobre a evasão escolar, sobretudo em territórios marcados por vulnerabilidade social, representa um retrocesso civilizatório: transfere à equipe escolar a culpa por um problema que é estrutural e exige políticas públicas integradas de educação, saúde, assistência e cultura.
Nenhuma portaria pode substituir a escuta do território. Nenhuma norma administrativa pode reinventar a presença. Por trás da retórica de modernização, esconde-se a erosão de uma das maiores conquistas da rede de Contagem: o reconhecimento da jornada docente como tempo integral de trabalho educativo, e não a mera soma de horas-aula.
Essa concepção, fruto de luta histórica dos educadores, reconhece que ensinar exige tempo para planejar, refletir, dialogar, avaliar e se formar continuamente. Ao substituir a jornada pela lógica fragmentada da hora-aula, a portaria rompe o elo entre trabalho e pensamento, entre docência e dignidade, entre o humano e o burocrático.
Essa ruptura ameaça diretamente o projeto político-pedagógico da cidade, que sempre defendeu a formação humana integral, o protagonismo do estudante e a educação como prática de liberdade. O que se vê agora é o retorno de um discurso gerencialista que tenta reduzir a escola a um campo de produtividade e desempenho, desconsiderando que o ato educativo é, antes de tudo, um gesto ético e político, não uma métrica de eficiência.
As consequências pedagógicas são previsíveis: sobrecarga docente, perda de qualidade no atendimento, desorganização curricular e enfraquecimento das ações interdisciplinares e de equidade. A medida desconsidera também o papel essencial do Professor de Apoio às Aprendizagens, figura estratégica na recomposição pós-pandemia, cuja eliminação aprofunda a desigualdade e fragiliza o acompanhamento dos estudantes com maiores desafios de aprendizagem.
Frente a esses retrocessos, reafirmamos que a escola pública não é um campo de experimentação administrativa, mas um espaço de produção de sentido, de cultura e de cidadania. A política educacional de Contagem não pode ser reduzida a uma portaria redigida em gabinete; ela precisa ser tecida na escuta das escolas, nos conselhos escolares, nas assembleias de trabalhadores e na Conferência Municipal de Educação — espaços legítimos de construção coletiva e democrática.
Por tudo isso, repudiamos a Portaria SEDUC nº 58/2025 por sua incongruência técnica, seu autoritarismo político e seu desprezo pela realidade educacional do município. Reivindicamos a suspensão imediata da norma e a abertura de um processo de diálogo público e participativo com as escolas, sindicato, conselhos e famílias, para que se reconstrua uma política que respeite os princípios da educação integral, democrática e humanizadora, pilares que sempre sustentaram a Rede Municipal de Contagem.
Mais do que um ato de resistência, esta nota é uma convocação: que defendamos o direito à escola pública viva, crítica e emancipatória, aquela que não se curva à lógica da gestão de resultados, mas que insiste em educar com sentido, com afeto e com compromisso social.
Contagem, 23 de outubro de 2025
Colegiado dos Dirigentes, Diretores e Vice diretores das Escolas Municipais e
Cemeis de Contagem
Fonte: Assessoria de imprensa

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