Data de publicação: 29-12-2017 11:05:00

A razoável legitimação da autoridade policial para o ajuizamento da ação penal pública

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Divulgação
 
*Rui Antônio Silva

ARTIGO - Com a Constituição da República de 1988, o ordenamento jurídico pátrio foi organizado, no que tange ao sistema de justiça criminal, com quatro atores estatais básicos, Polícia Preventiva (Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal), Polícia Judiciária (Polícia Federal e Polícia Civil), Ministério Público e Poder Judiciário, cada qual com atribuições bem definidas e inconfundíveis.  

Contudo, a Constituição Cidadã, assim chamada e promulgada numa época em que os índices de violência e de criminalidade no Brasil eram bem menores que os atuais, em razão de fatores diversos e para arrepio do quanto idealizado pelo legislador constituinte, e notadamente pelos eminentes constitucionalistas brasileiros que assessoraram aquela Assembleia Nacional, transformou-se em pretexto falacioso para toda sorte de aberrações reveladoras de interesses unicamente particulares, em detrimento dos interesses maiores da coletividade.  

Desde então, aproveitando-se brechas imaginárias do texto constitucional, alguns passaram a sustentar a possibilidade de também executarem atividades que, a priore, consoante o regramento vigente, seriam de outrem. Com isso, iniciaram inúmeras discussões jurídicas, tais como sobre a possibilidade de o ministério público realizar a investigação criminal em sua forma direta e sobre a possibilidade de a polícia de prevenção lavrar Termos Circunstanciados.  

Sem entrar aqui no mérito se ministério público pode ou não investigar e se polícia de prevenção pode ou não lavrar termo circunstanciado, porque isto não é objeto desta reflexão, trataremos aqui, em breves linhas, apenas sobre a razoabilidade e importância de a denúncia, nos crimes de ação pública, incondicionada ou dependente de representação, poder ser oferecida pela Autoridade Policial, o delegado de polícia, e não apenas pelo representante do Ministério Público.  

Ora, no processo persecutório criminal, a fase inquisitiva, presidida em regra por delegado de polícia, na qual se investiga, a partir de hipóteses, acerca da existência de crime, respectiva autoria e circunstâncias, notoriamente é principal em relação ao ato de se produzir uma mera peça de acusação, denominada denúncia, vez que esta se baseia, em mais de 99% dos casos, no relatório circunstanciado das investigações.

Vale dizer, em quase a totalidade dos casos, a diferença fundamental entre o relatório produzido pela Autoridade Policial ao término das investigações e a denúncia oferecida pelo Ministério Público é o título da peça. Na prática, dá- se um control “c”, control “v”, muda-se um parágrafo ou outro, troca-se o título, e pronto, o que era Relatório transforma-se em Denúncia.  

A se basear pelo interesse público e pela ciência jurídica, e não pelo direito posto e ultrapassado, não há qualquer justificativa plausível para continuarmos em nosso ordenamento com o entrave da ação penal pública privativa do Ministério Público. Impõe-se o aperfeiçoamento, a fim de termos uma justiça criminal mais célere, mais transparente e mais eficiente, que possa contar com um efetivo sistema de freios e contrapesos.   

A rigor, o que aqui se defende não é a possibilidade de a Autoridade Policial figurar como parte no processo, após o recebimento definitivo da denúncia, mas sim a legitimidade daquele que presidiu a investigação para ajuizar a denúncia criminal, a qual, sob o controle judicial, mediante a aplicação do princípio da obrigatoriedade e das demais normas aplicáveis à espécie, poderá ou não ser corroborada pelo Ministério Público.

O que se busca, em última análise, é o aperfeiçoamento do sistema e o afastamento de fatos geradores de ineficiência e, logo, de impunidade, fomentadores da criminalidade, tais como a morosidade, a desídia e a omissão do Ministério Público em relação a uma infinidade de expedientes cujas denúncias não são oferecidas tempestivamente, à revelia de qualquer controle, a despeito da existência de justa causa para o necessário deslinde útil da persecução criminal.  

Eis o trâmite que se preconiza: ao receber a denúncia ofertada pela Autoridade Policial, o Juízo Criminal abre vista ao Ministério Público para sua manifestação, que poderá corroborar a denúncia e seguir com o processo; requerer, de forma fundamentada, o retorno dos autos à Polícia para novas diligências; ou requerer a extinção e arquivamento do feito, com a possibilidade de aplicação do artigo 28 do CPP.  

É momento de se repensar e de desconstruir o que se fizer necessário no arcabouço jurídico brasileiro, para que o direito esteja de fato a serviço da justiça, seja ele apenas o seu instrumento, e não um pretexto a favorecer interesses de castas específicas e a fomentar a violência e a criminalidade em nosso país.  

*Rui Antônio Silva - Advogado criminalista; delegado aposentado da Polícia Federal; especialista em Direito Penal e Processo Penal; especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal; MBA em Gestão de Segurança Pública; mestre em Direito, Estado e Cidadania; pesquisador e crítico de segurança pública.
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