Data de publicação: 10-12-2019 16:27:00 - Última alteração: 11-12-2019 18:35:43

Diamantes de pedaços de vidro

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Internet/Reprodução
 
Rui Miguel*
 
“Se vi ao longe é porque estava nos ombros dos gigantes.”
Sir Isaac Newton
 
Eram 10h da manhã, fazia 35°C na rua. Era impossível alguém se atrever a andar fora de casa. O clima abafado apenas era condicionado à suportabilidade do meu aparelho que resfriava o ambiente. Ou tentava. Foi quando a campainha tocou. Fiquei supreso. Não tinha combinado de ninguém ir à minha casa em um domingo às 10h da manhã. Quando perguntei quem era pelo interfone, ouvi uma voz dizendo com grande simpatia e empolgação: “Bom dia, senhor, meu nome é ‘fulano’, estou com o meu amigo ‘cicrano’ e somos testemunhas de Jeová. Gostaríamos de falar com o senhor”.
 
Qualquer um nesse momento ficaria consternado pelo dia e horário, ou até mesmo pelo assunto que, querendo ou não, é muito difícil de levar até a porta das pessoas, principalmente em um domingo. Exige extrema coragem e força de vontade.
 
Eu fiquei imaginando o que levaria duas pessoas a saírem de suas casas em um domingo com um sol causticante, a 35°C, para falarem com um desconhecido. Talvez dinheiro, fazer propaganda de um evento e angariar fundos, não sei, mas fiquei curioso em descobrir. Quero dizer, por mais que talvez eu tivesse uma ideia do que eles iriam falar, fiquei pensando que não seria justo dispensá-los pelo interfone, devido à circunstância em que se apresentavam.
 
Já imaginando o que seria o assunto abri a porta e novamente fui surpreendido...
 
A ciência termina onde a fé se inicia. Essa é uma verdade matemática. A ciência nos prova e nos dá explicações para quase todas as coisas. A ciência é a arte da razão. Quando entramos no âmbito da fé, chegamos a um nível diferente. A ciência sobrevive da dúvida, enquanto a fé transcende a lógica. É uma convicção com ausência de dúvida. E se não existe dúvida na fé, a ciência não tem motivo para entrar.
 
Hoje, as pessoas creem em um Deus que é condicionado e moldado pelas coisas que as fazem bem. Se eu tiver que lutar com outra pessoa, Deus vai me ajudar. Se eu tiver que conseguir o emprego no lugar de outra pessoa que também precisa, Deus me abençoa. Se eu quiser enriquecer, Deus vai me guiar e, se eu não conseguir, é porque Deus não quis. Nós estamos criando o nosso Deus. E estamos criando-o à nossa imagem e semelhança. Contudo, esta última é egoísta, prepotente e apenas aceita aquilo que lhe é explicável.
 
Durante centenas de anos, principalmente depois do século 15, muitos seguidores de divindades politeístas se apegaram tanto ao seu deus que acabaram se afastando da ideia básica. Eles começaram a acreditar em um deus que era único, e que, na verdade, era o Deus supremo do universo. Porém, ao mesmo tempo, continuaram a vê-Lo com interesses e inclinações, acreditando que poderiam chegar a acordos com Ele. Assim nasceram as religiões monoteístas, cujos seguidores rogam ao poder supremo do universo auxílio para se recuperarem de uma doença, ganharem na loteria e vencerem uma guerra.
 
É muito fácil amar quem nos ama, ser gentil, educado e benigno com quem só nos quer bem. Difícil é fazer isso com pessoas que não conhecemos. É por isso que ultimamente vemos as pessoas condicionando Deus ao seu bel prazer. Adaptando-O às suas circunstâncias. Estou dizendo isso porque, hoje, são poucos os que pregam Deus e não a si próprios.
 
Voltando à história do começo deste artigo: com o que me surpreendi quando abri a porta? Duas pessoas simpáticas e sorrindo, mesmo naquelas condições, e realmente felizes por alguém tê-las atendido e sido educado. O que elas queriam: dinheiro, contribuição, participação em evento ou tentar mudar minha religião? Nada disso. Apenas ler um texto da bíblia para mim, falando em amar o próximo e me incentivando a fazer isso. Depois, se despediram. Apenas isso. Simples assim. Objetivo, conclusivo e justamente no ponto em que estamos mais carentes na nossa sociedade.
 
Eles se despediram felizes por eu tê-los atendido e por terem conseguido passar a mensagem.
 
Fiquei pensando: devem ganhar muito bem para isso. Mas depois descobri que não, não ganham nem um centavo, não têm ajuda de custo nem qualquer tipo de benefício, muito pelo contrário. Arcam com a gasolina, a vestimenta e, principalmente, o pouco tempo que têm livre, pois a maioria trabalha de segunda a sábado e precisa sustentar a família.
 
Então, qual a motivação? E a resposta é: o amor. Só isso. Fazem por amor. Não são obrigados, fazem voluntariamente.
 
Caros, não estou aqui para condenar uma religião ou proteger outra. Cada um tem a sua crença, e isso é ótimo. Até a crença de não ter fé é belamente aceitável. É essa diversificação que nos faz pensar e evoluir. Toda unanimidade é burra.
 
Precisamos disso no mundo: pessoas que nos amem sem interesses nem segundas intenções, que não façam isso por esperar alguma coisa em troca. Essa é a verdadeira tradução do altruísmo. Pegue-o como exemplo e pratique-o. Sabemos que ninguém é perfeito e que todos erram, mas se esforcem, pois se fizermos isso viveremos em um mundo melhor.
 
--
 
*Rui Miguel cresceu em Contagem. É formado em engenharia de rede de computadores e especialista Microsoft. Tímido e paradoxalmente extrovertido. Misterioso e intrigante, mas com um senso de humor incrivelmente inteligente e sarcástico. Em 2007, teve os primeiros sintomas do Parkinson e, depois de seis meses, o diagnóstico foi confirmado. É autor do livro “Entrando no parkinson de diversões” e, em 2017, foi nomeado comendador e profissional do ano com o blog que fala sobre “como viver a vida e não apenas sobreviver”. Também possui um canal no YouTube onde trata do mesmo assunto.
 
(O conteúdo dos artigos publicados pelo Diário de Contagem é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa a opinião do jornal.)
Comentários

Charge


Flagrante


Boca no Trombone


Guia Comercial


Enquetes


Previsão do Tempo


Siga-nos:

Endereço: Av. Cardeal Eugênio Pacelli, 1996, Cidade Industrial
Contagem / MG - CEP: 32210-003
Telefone: (31) 2559-3888
E-mail: redacao@diariodecontagem.com.br