Data de publicação: 12-06-2020 18:13:00

E hoje em dia, como é que se diz "eu te amo?"

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais -  CIEE
Foto: Internet/Reprodução
 
Rui Miguel*
 
“Pois se o eu é odioso, amar ao próximo como a si mesmo torna-se uma atroz ironia.”
 
Paul Valéry
 
Quando é que amar ao próximo se tornou tão démodé? Hoje, o refrão “amor ao próximo” está muito difundido nas redes sociais, na TV, no rádio, nas igrejas, e chega até a ser banalizado.
 
Não que eu ache banal o exagero do amor ao próximo, longe disso, mas acredito que essa frase tão forte, emitida por dois grandes homens da história da humanidade, seja muito repetida sem que haja uma meditação que, consequentemente, gere uma ação prática.
 
A frase tornou-se tão popular que as pessoas nem pensam mais nela. É como falar “graças a Deus” ou “se Deus quiser”. São frases emitidas corriqueiramente sem pensamentos prévios, apenas repetindo o que é dito por todos.
 
Algumas pessoas nem mesmo acreditam em Deus ou têm uma opinião sobre Ele, mas pronunciam tais frases como se fossem um mantra, porém, sem que signifiquem nada para elas.
 
Mesmo porque essa duas frases tiram toda e qualquer responsabilidade sobre o ser humano, pois se uma coisa boa acontece é graças a Ele, e se uma coisa ruim acontece é porque Ele quis ou permitiu.
 
Assim conhecemos as pessoas que adoram a Deus de maneira bem objetiva. Elas condicionaram Deus a um ser que elas querem que Ele seja e não ao ser que Ele é.

É como uma pessoa que condenou a minha fé porque eu não acreditava em curas milagrosas. Então eu perguntei:
 
- Você foi curado?
 
- Lógico. E, depois disso, eu acreditei.
 
Então eu disse:
 
- Meu amigo, me desculpa, mas se você precisou de um evento milagroso ou metafísico para acreditar em Deus, sinto lhe informar, mas não é a minha fé que deve ser reforçada, pois eu não preciso que Deus apareça na minha frente para eu acreditar Nele.
 
As pessoas precisam acreditar pela fé que têm. Se Deus tivesse que provar a sua existência materialmente para todos, você não precisaria de fé, mas, sim, da ambição e do interesse em alcançar alguma coisa que Ele pudesse te dar.
 
Os judeus e os cristãos – consequentemente, tanto Moisés quanto Cristo – falaram sobre amar ao próximo. Mas Jesus aumentou essa responsabilidade e disse que o ser humano deveria amar ao próximo como ele nos amou.
 
Segundo a bíblia, o modo como Jesus amou a humanidade foi morrendo por ela. Você estaria disposto a morrer para salvar o seu próximo, mesmo que seja alguém desconhecido?
 
Aí está a questão de falarmos e de praticarmos, de pregar uma coisa e demonstrar outra. É muito fácil amar a quem nos ama, é muito fácil ser gentil, educado, benigno com quem nos quer bem. Difícil é fazer isso por pessoas que não conhecemos.
 
É por isso que hoje vemos as pessoas condicionando Deus a seu bel prazer, adaptando-O às suas circunstâncias. Quero dizer: condicionando-O ao nosso padrão de vivência. Deus, hoje, está sendo perseguido por isso.
 
E por que mesmo assim algumas pessoas buscam Deus de maneira não meditativa? Há duas possíveis respostas: medo ou esperança. Ou seja: o medo de ser castigado por Ele e a esperança de ter uma recompensa eterna.
 
Poucas pessoas falam que adoram a Deus pelo simples fato de adorá-Lo. As guerras religiosas entre católicos e protestantes que varreram a Europa nos séculos XVI e XVII são particularmente conhecidas. Todos aceitavam a divindade de Jesus Cristo, no entanto, discordavam da natureza desse amor.
 
Os protestantes acreditavam que o amor divino fosse tão grande que Deus encarnou e se permitiu ser torturado e condenado, redimindo o pecado original e abrindo as portas do céu para todos que professassem sua fé Nele.
 
Os católicos defendiam que a fé, embora essencial, não era o mais importante e que para entrar no céu o crente devia participar dos rituais de igreja e fazer boas ações. Os protestantes recusavam-se a aceitar isso, pois essa compreensão diminuía a grandeza e o amor de Deus.
 
Essas disputas teológicas ficaram tão violentas que, nesse mesmo período, católicos e protestantes mataram-se uns aos outros em centenas de milhares. Isso ilustra bem como o objetivo da fé começou errado. Era uma disputa ideológica mais forte do que o próprio amor a Deus.
 
E por mais que essa seja uma parte histórica, rústica e arcaica do pensamento mal-desenvolvido da humanidade na Idade Média, muitos hoje ainda comungam desse pensamento.
 
Pode não parecer, pois tal forma de pensar agora é romantizada para ludibriar, mas, no fim, o “amor a Deus” continua sendo a mesma disputa ideológica para propósitos egoístas.
 
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*Rui Miguel cresceu em Contagem. É formado em engenharia de rede de computadores e especialista Microsoft. Tímido e paradoxalmente extrovertido. Misterioso e intrigante, mas com um senso de humor incrivelmente inteligente e sarcástico. Em 2007, teve os primeiros sintomas do Parkinson e, depois de seis meses, o diagnóstico foi confirmado. É autor do livro “Entrando no parkinson de diversões” e, em 2017, foi nomeado comendador e profissional do ano com o blog que fala sobre “como viver a vida e não apenas sobreviver” (www.ruimiguel.com.br). Também possui um canal no YouTube onde trata do mesmo assunto.
 
(O conteúdo dos artigos publicados pelo Diário de Contagem é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa a opinião do jornal.)
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