Data de publicação: 07-04-2014 00:00:00

Sistemas Únicos de Saúde e Seguros de Saúde: Diferenças Básicas

Academia Equilíbrio Funcional

Foto: Divulgação/ tvt.org

¹Wasney de Almeida Ferreira

O artigo “Sistemas Universales de Salud: Retos y Desafíos” (LAURELL, 2012) discute os dois principais modelos de sistemas de saúde: o Seguro de Saúde e os Sistemas Universais de Saúde (SUS). No primeiro caso, temos um modelo baseado na meritocracia e no mercado, uma vez que se encontra associada ao neoliberalismo clássico. Portanto, trata-se de um modelo de saúde privada e individualista, que considera a saúde, em sua definição mais ampla, como um nicho econômico capaz de aumentar o Produto Interno Bruto (PIB). No segundo caso, temos um modelo de saúde baseado no Estado de Bem-Estar Social, uma vez que não tem como objetivo gerar lucros, mas proporcionar cidadania. Portanto, trata-se de um modelo público, solidário e gratuito, que considera a saúde como um direito do cidadão, assegurado pelo Estado em constituição.

Após falar brevemente das diferenças básicas entre os sistemas públicos de saúde e os seguros de saúde, tendo o primeiro como mercantilizado e neoliberal, Laurell considera dois pontos importantes. Primeiro, enfatiza a saúde como um direito expresso na “Declaração dos Direitos Humanos da ONU”, 1945, um valor arraigado e direcionador da política internacional. Segundo, a necessidade de cobertura universal do sistema, de modo que toda população possa ter acesso igualitário aos serviços de saúde do qual necessita. Nesse momento, a autora destaca a importância de não se confundir “cobertura populacional” e “cobertura de serviços”, uma vez que há muitas confusões conceituais. No primeiro caso, estamos falando da democratização[1] dos serviços, de modo que toda população possa ter acesso, já que o propósito é cobrir todo o território nacional. No segundo caso, estamos falando de quais serviços serão oferecidos[2] de forma pública pelo Estado, uma vez que quase nunca é possível cobrir todas as necessidades populacionais.

Outras questões importantes levantadas por Laurell dizem respeito ao financiamento do sistema de saúde, bem como a definição de seus administradores, que podem provir do domínio público ou do privado. Quando o sistema é único e público, os recursos advêm do Estado, por meio da cobrança de impostos, e sua administração envolve grande rede pública[3]. Quando o sistema é privado e pluralista (Seguro de Saúde), o financiamento advém de diferentes domínios e a administração torna-se mais complexa. Em sistemas mistos, a situação torna-se ainda mais problemática: quais são as respectivas parcelas de financiamento do Estado e do domínio privado? Quais são as parcelas de administradores privados e públicos, já que ambos estão envolvidos na dinâmica de saúde? Quais os serviços devem ser prestados pelo Estado e quais devem ser pelo privado? Enfim, em sistemas mistos, essa discussão é bem complexa, já que o privado deixa de ser complementar ao público e passa a ser essencial. Essa forma mista de modelo de saúde parece ser predominante em vários países da América Latina, já que todos se encontram em processo de expansão e consolidação.

Ao lermos as primeiras páginas do artigo, podemos fazer algumas criticas quanto às categorias “público” e “privado”, que geralmente são entendias como dicotômicas. Em nossa opinião, o privado está contido no público (ou seja, não são antônimos binários), já que os donos de laboratórios, hospitais e clínicas também são cidadãos. Em sistemas públicos como o Brasil, onde mais de 50% do investimento em saúde advém do privado (GIOVANELLA, 2012), corremos o risco que o privado se torne um “parasito” do público. Em outras palavras, é como se os donos de laboratórios, hospitais e clínicas tivessem o “dobro” de poder decisório, por estarem tanto no domínio privado quanto público. Obviamente, sabemos que os sistemas públicos de saúde precisam ser destituídos de “conflitos de interesse”, mas o simples fato do público depender demasiadamente do privado compromete às políticas sociais[4].

As diferenças entre os Seguros de Saúde e os Sistemas Universais de Saúde (SUS), em nossa opinião, podem ser resumidas em termos dos valores que fundamentam o país. Se a fundamentação ideológica do país é o neoliberalismo, logo sua concepção de saúde, suas formas de financiamento e administração também devem ser neoliberais (Seguro de Saúde). Por outro lado, se a fundamentação do país é o Estado de Bem-Estar Social, logo sua concepção de saúde, suas formas de financiamento e administração devem ser orientados pela democracia (Sistemas Únicos de Saúde (SUS)). Em países Latinos Americanos, os modelos mistos de saúde são reflexos dessas contradições, já que são influenciados tanto pelo neoliberalismo quanto pelo Estado de Bem-Estar Social. Em outras palavras, o modelo de saúde adotado por um país diz muito acerca de sua ideologia política, econômica e social, bem como de suas contradições.
________________________________________
[1] Princípio da Universalidade
[2] Princípio da Integridade
[3] Os hospitais, empresas e prestadores de serviços privados são vistos como complementares a lógica do Sistema Único de Saúde.
[4] Por exemplo, se os epidemiologistas evidenciam cientificamente que a desigualdade social (determinante social em saúde) aumenta a chance de doenças crônicas, as clínicas, os hospitais e os laboratórios privados não terão interesse em investir na urbanização de favelas, promover a redistribuição de renda, melhorar o sistema educacional etc. Sem dinheiro para financiar um projeto de saúde que resolva ou amenize o problema de “cima para baixo”, o Estado continuaria investindo nas mesmas clínicas, hospitais e laboratórios privados. Afinal, se ele não fizer isso, a população irá morrer! Portanto, apesar das evidências científicas acerca da desigualdade social, o sistema privado permaneceria “parasitando” o público, enriquecendo-se, e a sociedade continuaria desigual e doente.

¹Psicólogo, mestre em linguística e doutorando em saúde pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Comentários

Charge


Flagrante


Boca no Trombone


Guia Comercial


Enquetes


Previsão do Tempo


Siga-nos:

Endereço: Av. Cardeal Eugênio Pacelli, 1996, Cidade Industrial
Contagem / MG - CEP: 32210-003
Telefone: (31) 2559-3888
E-mail: redacao@diariodecontagem.com.br